Desde então àquele dia, que vi pela primeira vez com os olhos da atenção,
os olhos aguçados para a percepção,
desde esse dia senti que bolia por dentro uma espécie de veneno,
que não subia pela boca afora, nem tampouco saia de mim.
Encaixava-se no meio, entre um peito e outro, batendo oco, como se expremesse em fagulhas, como se subornasse minha respiração e a suspendesse.
Como se a fatalidade fosse algo inevitável de acontecer.
Desde esse dia, não sei dizer se o que até hoje pensei ser, é de verdade.
Não posso advertir nada, nem tampouco admitir.
Nada a ser feito ou dito.
Minto.
Mais uma vez pego essa mentira de frente ao espelho, e tomo conta de mim todas as vezes que sinto flamejar o corpo, inquietando o espírito.
Tento controlar a mente, sabendo agora, depois de tanto viver, que existem coisas e pensamentos que são incontroláveis. Assim como certas atitudes. Assim como certas pessoas.
Assim como algumas situações, não se podem prever, nem controlar, nem previnir.
Desde o mesmo dia que vi seu corpo dançar, e envolver um mistério instigante diria. Desenvolvendo minhas malícias de tal maneira, de tal suor, de tal sede.
Minha saliva embrulhava em minha boca, toda vontade de devorar aqueles segundos em que enlaçada em teu corpo estava.
E pude sentí-lo acelerar.
E pude sentí-lo adormecer.
Pude sentí-lo, e isso basta. Me importa. E nesse momento o que mais queria era não mais soltar dele.
E naquele contínuo instante de felicidade, percebi que nunca soube a diferença de amor, para afeto, ou paixão.
Eu amo quando me entrego, e me entrego por inteira nunca pelas metades, e meu afeto é infinito e se expressa apenas no olhar.
Minha confusão é esta, e sinceramente, amo a minha forma de me confundir.
Crio raízes naqueles olhos, e anseio deleitar naquele corpo, percorre-lo de maneira expressa.
E admirar como se fosse um diamante bruto à minha frente a ser lapidado por meus desejos.
E usufruir de toda essa água,todo esse rio que embala dos fios finos de teus cabelos até os largos pés que o sustenta.
Quero sim criar raízes nele, pois não posso virar as costas para mim mesma.
Nem contrariar minhas vontades,
e desde aquele dia então, pratico como uma oração silenciosa, os momentos passados em meus pensamentos, tranformando essa meia verdade, numa realidade infinita.